quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Lembra

"Mas você lembra!
Você vai lembrar de mim
Que o nosso amor valeu a pena
Lembra é o nosso final feliz
Você vai lembrar...
Vai lembrar... Sim...
Você vai lembrar de mim."

Nenhum de Nós

Nuvens cor de café e canela dispersavam-se ao longo do manto azul pálido que cobria o céu lúgubre. As nuvens enegreciam o céu outrora borrifado com nuvens de açúcar confeitando a tarde de Junho. O céu que eu havia desenhado com giz e lápis de cera fora rabiscado com linhas espessas de carvão e grafite. O Sol escondera-se por baixo de uma nuvem acinzentada fazendo-a um cobertor de lã. Adormecera tímido nela. O horizonte alaranjado que incendiava o Outono dos meus olhos desbotou. Roubara um punhado do Outono que eu carregava cá dentro. O alaranjado foi sendo desfolhado fazendo florescer chocolate amargo. O horizonte era um jardim de chocolate que derretia deliciosamente escorrendo pelo céu. O vento choramingava ao pé do ouvido. As folhas caídas cochichavam com a aspereza do chão. A aragem gélida fazia um cafuné na nuca ao dançar com os cabelos, arrepiando a pele envolvendo-me com um abraço. Dançava a aragem também com os galhos desnudos das árvores. O aroma do ar beijou-me o olfato. O cheiro suave e inebriante que se dependurou no ar anunciava chuva.
Ao cheiro doce de chuva mesclou-se o teu cheiro entorpecedor. Embriaga a memória entontecendo-a com lembranças. Desmaiando no coração uma saudade viciada em ti. E antes que eu fechasse os olhos para te encontrar e saciar o vício da minha saudade, te encontrei sem precisar fechá-los. Eu te avistei distante de mim. E mesmo distante eu pude ler-te. Parecias alheio a tarde que se desenrolava sobre os teus ombros. Andavas apressado, porém com passos despreocupados. A incerteza esmagava teus pés. Mãos nos bolsos, cabisbaixo, encurvado. Encurvado como alguém que guarda nas gavetas do peito muitas dores, inclinando-se para frente por causa do peso. Um olhar nublado. E o semblante marcado com a presença de uma ausência. Os lábios cerrados encobriam o riso largo de menino bobo.
Coube ao acaso compor que o teu caminho cruzasse com o meu. Coube a eu esperar... Esperar que na interseção dos nossos caminhos restasse ao menos um pouco do que fomos nós. Esperar que ao esbarrar de um olhar, nossos olhos entretecessem uma ponte de estrelas e nossos braços costurassem um abraço apaziguador de tempestades e nossos lábios arrematassem o encontro com um beijo infindo. Esperar que nossos passos caminhassem no mesmo compasso. Esperar que a tua mão deixasse ser acompanhada pela minha. Esperar que o meu semblante corasse o teu outra vez. Esperar que o teu coração fizesse um samba e que eu fosse a rima da canção. E eu esperei. Mas não viste que eu estava à espera de ti... À espera do que fomos nós.
Deixei que seguisses o caminho. E o coração ingênuo sussurrou que a memória do teu coração ainda guarda lembranças minhas. A tarde desfez-se dedilhando uma chuva serena fora e dentro a tarde escreveu uma tempestade furiosa. E o coração insiste... Insiste que tu ainda lembras. Lembras de mim, de nós, do nosso amor, da promessa com o sempre, do plano com a felicidade.
Essa tarde foi uma prosopopéia da minha tristeza.

2 comentários:

  1. Eu já me cortei muito com os cacos das minhas lembranças...E demorei muito para cicatrizar.

    Mas cicatrizou...

    Belo texto.


    Abraço meu

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  2. É verdade.

    A vantagem de se amar em silêncio é que você pode imaginar todas as coisas que poderia realizar ainda que não façam qualquer sentido.


    Um abraço poético

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