sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Nas noites de escuridão

"Eu caminho vivo no meu sonho estrelado."

Victor Hugo

A lúgubre névoa que encortinou o ar teceu um véu acetinado vestindo a face da noite taciturna. A noite consonava com solidão. A umidade se debruçou na janela, embaçando-a. A janela choramingava orvalho. A umidade também se debruçou no horizonte do meu olhar marejando um mar infindo de tristeza, embaçando a alma solitária. O coração orvalhava saudade das noites de Lua Cheia e céu constelado. A Lua minutíssima e tímida me sorria um sorriso delgado estampado no semblante pálido. A meia-Lua repousara recostada numa nuvem enegrecida deixando escapar meia-luz. A luz rala atravessava audaciosa as frestas da janela dançando ao lado meu. Tremeluzia serena a luz bailarina. As nuvens cor de carvão e grafite caminhavam vagarosamente pelo céu cinéreo - ausente da companhia das estrelas fagulhantes - empurradas pelo vento que cantarolava uma canção de melancolia. O vento que soprava delicado carregava nos ombros o aroma de chuva, fazendo cócegas no olfato. E a noite logo começara a dedilhar uma chuva miúda, pronunciando-se com breves pausas. A meia-luz a chuva apagara, transformando-se em cinzas dispersando-se pelo céu cinza. O manto de fumaça cobrira a Lua, deixando-a adormecer embrulhada num arco-íris pincelado com matizes acinzentados. A noite era um gigante de breu escrevendo com mãos ríspidas reticências em mim.
E o mar infindo de tristeza que meu olhar refletia desembocou na face. Assim como a Lua, eu também estava na hora de adormecer, adormecer, porém embrulhada em Sol. Adormecer antes que o monstro do desespero viesse deitar-se comigo compactuando com os meus pensamentos, tagarelando angústia. Somente eu tenho a chave do meu calabouço. Somente eu posso descer até lá. E quando desço me visto com a armadura de lençol bordada a sono com fio de sonho. Enfeito o olhar com céu azul céreo. Cultivo na alma Primaveras multicoloridas. Componho sambas com as batucadas do coração. Respiro fundo um aroma inebriante de framboesa, enchendo os pulmões com doçura.
Para as noites que florescem escuridão, guardo mudas de sonho debaixo do travesseiro e semeio com o arado da imaginação. Nas noites de escuridão caminho acordada sobre nuvens de marshmallow, garimpando pingos de Sol. Quando a escuridão acende-se, colho estrelas cadentes. 

5 comentários:

  1. "colho pingos de sol" adorei!!!!!
    Voltarei mais vezes....

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  2. Podíamos fazer como Machado de Assis.

    "Recolher a chuva e acender as estrelas."

    Te abraço com cuidado

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  3. "Um mar infindo de tristeza desembocou na minha face" - essa é umda daquelas partes que os seus olhos não cansam de buscar num texto como esse. O momento onde você se encontra dentro das palavras de outrem.

    Se eu não soubesse melhor, diria que és uma alma do século dezenove, dos primeiros anos, perdida neste mundo corrido.

    Mas olha só, sorte a minha!

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Eu passei aqui pra te falar da volta do blog Junkie Careta, onde vc já deixou um comentário há muito tempo atrás. Seu amigo retorna com o blog e te convida para dar uma checada quando tiver um tempinho e deixar o seu comentário inteligente. No post, falo sobre o ser mais maravilhoso da face da terra, segundo uma famosa publicação Inglesa e também endossada por esse anônimo blogueiro metido a colunista cultural.

    O que eu não contava, era encontrar com uma descrição tão rica, tão sensível e humana, cheia de talento. Que grata surpresa.Ecos da delicadeza e pureza de Emily Dickinson somadas à uma melancolia Clariceana. Saio daqui melhor do que entrei.

    Parabéns.

    Espero que vc não se incomode se eu passar por aqui mais vezes, só que desta vez como leitor.

    Grande abraço

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