sexta-feira, 11 de junho de 2010

A ele, o instante maiúsculo

"Na convivência, o tempo não importa. Se for um minuto, uma hora, uma vida. O que importa, é o que ficou deste minuto, desta hora... Desta vida..."

Mario Quintana

Tanto tempo faz desde a última vez que nos vimos, e para dizer a verdade nem sei bem quanto tempo faz. Quanto tempo faz? Sei lá, se o que ficou faz da minha memória um filme sem fim. O que ficou da última vez é infindo. Eu não esqueço a última vez desde a última vez. E a última vez é um gerúndio, a última vez está sendo na minha memória congestionada de ti.
Remendei na memória cada retalho daquele último momento. A eternidade costurada com fiapos de instantes. Um mar de pequenos infinitos ponteados com barquinhos de segundos velejando à deriva do tempo, a linha de minutos arrematando ondas de horas.
Cultivei na memória a muda do agora que hoje é ontem. Semeei lembranças num solo adubado com amor, o arado é essa saudade que trago no peito, jardim de passados florescendo ontens. Uma de Primavera de recordações colorindo o fugaz com sempre.
Aquela noite nunca amanheceu na minha memória.
Uma noite tecida com fios de linho preto-azulado, bordada com estrelas faiscantes fazendo serenar fagulhas de luz incendiando o poente, outrora incandescente incendiado pelo Sol que adormecia, adornada com uma Lua Cheia amarelo-alaranjada, desenrolando o manto negro sobre o céu taciturno. Manto que nos agasalhava. O céu parecia ter sido salpicado com gotículas de leite, algumas escorriam desmaiando quietas no horizonte, embora 'inda em chamas, pingando faíscas.
Sob os fogos de artifício da noite, tocávamos sem saber a eternidade que jamais nos escaparia. Eternidade engaiolada na memória.
A Lua opulenta nos espiava atônita e os seus tênues raios de luz tremeluzentes dançavam no nosso semblante corado. A brisa agitava delicadamente nossos cabelos. As árvores valsavam tímidas. Eu te tive moço, entre os lábios, tu me tinhas pequenina, entre as mãos, hoje te tenho eterno somente na memória do meu coração, e nem sei se ao menos uma lembrança amiúde minha tu guardas. No teu ombro eu repousei o cansaço que os meus ombros carregavam. No teu abraço eu me abriguei, e as tuas mãos com um afago feito na nuca silenciaram os pensamentos tagarelas. Nos teus olhos de jabuticaba um Verão ardia derretendo os Invernos que nevavam nos meus olhos. A tua voz marejada de ternura sussurrava palavras de açúcar ao pé do ouvido.
Vez em quando surpreendíamos uma estrela cintilante despencando do céu, seguramos uma delas nas mãos, estava chamuscada, ainda quente, fechamos os olhos, apertamos a estrela indefesa e miúda contra o peito e pedimos o velho pedido: A eternidade ao nosso alcance. A traça do tempo corroeu nosso pedido. Pouco importa se o tempo não foi cúmplice daquele pedido... A eternidade está na memória do coração.
Lá fora amanhece, o Sol espreguiça-se, seus raios de luz fazem cócegas no meu olhar, eu respiro o azul-turquesa do céu borrifado com nuvens de algodão, mas na memória ainda é noite. A mesma noite tecida com fios de linho preto-azulado, bordada com estrelas faiscantes e adornada com uma Lua Cheia amarelo-alaranjada. Aquela noite de pequenos infinitos guardados nos bolsos. A noite que o tempo tornou-se minúsculo perto do que ficou. E o instante maiúsculo na memória.
Para sempre será aquela noite na memória, só lamento também ser noite no teu coração de menino velho.

Um comentário:

  1. Eu tenho que dizer que simplesmente devoro suas metaforas antes que elas me deixem fracas, porque tem sempre algo nelas pronto para sair, explodir e acertar alguém indefeso...
    e é isso que faz dos teus textos uma experiência tão sedutora.

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