terça-feira, 20 de abril de 2010

Teu abraço

"Saudade do teu grande abraço."
    
Clarice Lispector
    
O Sol espreguiça-se no horizonte abobalhado de amor e embebido em saudade fresquinha, sorrindo faíscas de estrelas, após um encontro com a Lua durante a noite insone salpicada com estrelas flamejantes e enfeitada com eclipse. Terno encontro breve. Eternidade de segundos, infinito é o instante que se olham atônitos. A aurora enrubesce o horizonte, corando a face da manhã que timidamente desfaz a noite e esmigalha a escuridão. O Sol espia taciturnamente meu sono leve, enquanto adentra sorrateiro meu quarto pelas frestas da janela. Sua luz tremeluzente baila no ar, valsa um bolero nas paredes do quarto, dança pelo corpo, esse ainda à mercê do sono, ensaia passos com os cabelos. Um fio de luz segura minha mão e me convida para dançar, outro se deita ao meu lado. Um fio de luz faz cócegas no olhar sonolento, outro faz um cafuné na nuca. Nuvens de marshmallow caminham pelo céu azul clarinho ao som do canto afinado dos pássaros. O colorido das flores mescla-se ao colorido das borboletas e beija-flores. O ruflar das cores para voar no azul infindo. Um mergulho na calmaria. Um mar no céu beijado por ondas de nuvens.
Mas a cortina da serenidade se fecha e um véu de neblina cobre a manhã. Uma nuvem cinzenta embrulha o Sol, envolvendo-o em palidez. O horizonte outrora em chamas apaga-se. O corado esmorece. A luz que bailava no ar desmaia em preguiça. Nuvens de chocolate amedrontam o céu, afugentando o azul, acolhendo o marrom, o caramelo e o cinza. O canto dos pássaros emudece em desarmonia. As flores murcham, franzindo a beleza. As borboletas e os beija-flores cessam o vôo. As cores esvaeceram. Uma calmaria inquietante, um silêncio ensurdecedor.
O céu em fúria maldiz o dia com relâmpagos e trovões. O dia que acordou cantando bossa-nova agora canta heavy metal.
O céu chora os primeiros pingos de melancolia. A canção da chuva cantarola grave o 'dó' e alcança o 'si' num coro agudo. Tenho 'dó' de mim 'si' essa chuva não passar. Uma tempestade se ergue sobre mim e outra dentro de mim. A chuva torrencial inunda as ruas, agredindo cada pedaço da cidadezinha, e uma chuva chove solidão dentro de mim banhando-me toda com excesso de falta. Os cobertores não me aquecem porque o frio é cá dentro, no peito. A pele arrepia-se, uma xícara de café não esquenta um coração puído por mágoas, desnudo de amor. Eu fecho os olhos e imagino teu abraço contornando meus vazios, mas só consigo abraçar tua ausência. Imagino debruçando-me no teu ombro e sentindo teu abraço abrandar as dores, mas só consigo sentir tua distância. Imagino teu abraço acalentando as perdas, aconchegando os medos, envolvendo as dúvidas, mas só tua indiferença me afaga, tua indiferença é que se aproxima, apertando-se a mim, tua indiferença é enrola-se comigo.
Eu quero morar no teu abraço. Abrigar-me nele da minha tempestade. Embala-me no teu abraço, quero nele adormecer enquanto chove, porque em teu abraço faz Sol. Agasalha-me com teu abraço, aqueça o frio que faz em mim. Embrulha-me na ternura do teu abraço, empacota meus vazios, dores, perdas, medos e dúvidas.
Saudade dos dias de Sol e céu azul clarinho que faziam sob teu abraço.

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