segunda-feira, 5 de abril de 2010

À felicidade

"És precária e veloz, felicidade. Custas a vir e, quando vens, não te demoras."
Cecília Meireles
Felicidade não demoras, estás sempre com pressa, só não te apressas para chegar. Com a partida estás deveras apressada. Embora teu relógio não tenha ponteiros, tens hora marcada para viajar. Apressas-te apenas com a viagem. Para viajar não te atrasas. Tens as malas sempre prontas e nunca chegas para ficar porque teu destino é a partida, e tu te conjugas assim no gerúndio - partindo, teu compromisso é com a viagem. Por isso digo, é visita passageira na vida da gente e da vida és a mais preciosa passageira. Viajante que se hospeda nos cantos mais singelos. Caminhante que repousa nos cantos recônditos. Pelos caminhos que a vida traça não cansa de caminhar. Banha-se com os feixes da luz do Sol. Ilumina-se com os pingos da chuva. Acende arco-íris no céu acinzentado. Pincela estrelas na escuridão da noite. Se a vida insiste em levar-te a destinos em branco e preto, traças o teu próprio caminho florido de cores. Se o horizonte de ti distancia-se, traças teu horizonte alaranjado. E se as linhas desse caminho entortam-se, traças tuas linhas sem temer a traça do tempo porque teu traçado é doce demais para o paladar amargo do tempo. Felicidade não se abriga em celas, não te acorrentas a gente, algemas não te prendem, tua essência é a liberdade, se te aprisiona a liberdade, sufoca a essência e morres sendo uma felicidade triste. Felicidade não admira as prisões que a gente constrói, és bela porque és livre. Felicidade não se acomoda em jaulas, tu não és animal arisco, tu não precisas ser domada, tu não és dócil, não aceita ser castigada com o açoite da vontade da gente, não és dócil, mas és doce, tu é animal silvestre manso, nasces no coração, mas cresce liberta na selva, se te encarceras definhas-te, tu não és arredia, tu és tímida. Chega branda, serena, silenciosa, sem soltar fogos de artifício, chegas tão quieta que às vezes a gente nem percebe. És pequenina, sutil e a gente tem mesmo que te garimpar nas coisas mais singelas. Felicidade é moleca mimada, requer atenção, se não tratada com muitos mimos, amua-se e parte. Felicidade és menina correndo solta pelos campos, sem direção, apenas correndo porque simplesmente tu és, esvoaçando os cabelos no ar, bailas com o vento, cochichas com a brisa, flertas com o céu azul, respiras o instante inalando o aroma do agora. Inútil agarrá-la pelos cabelos escapa das mãos, escorrendo por entre os dedos... Armadilha para quê? Qualquer armadilha a felicidade desarma, és caça que não se caça. 'Felicidade, espera! Não te vás tão cedo... Ficas mais um pouco!' E ela vai para outro dia quando eu menos esperar bater de novo à porta, e sempre que ela bate deixo entrar, mesmo sabendo que não demora a partida, um dia me acostumo com esses encontros inesperados e despedidas repentinas. Mas volta logo. Volta e dessa vez demora, o teu canto é aqui perto de mim, vem aconchegar-se em meus braços enquanto eu te faço um cafuné e gargalhamos juntas.

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