segunda-feira, 29 de março de 2010

Eu estou onde tuas lembranças estão

"Eu não moro mais em mim...
Eu perco as chaves de casa
Eu perco o freio
Estou em milhares de cacos
Eu estou ao meio
Onde será
Que você está agora?"
Adriana Calcanhoto
O meu olhar repousa debruçado nas nossas fotografias amarelecidas pelo tempo, envernizadas por um sentimento que não desbota - amor que não envelhece. A fotografia aprisionando o agora que se eternizou, o passado repetindo o instante. Um hoje que se faz sempre, mesmo hoje esse 'sempre' sendo 'nunca'. O porta-retrato emoldurado com saudade, enfeitando o quarto com ontem. E os meus olhos nublados caminham pausadamente por entre as fotografias e chovem. Chovem tristeza acinzentando o olhar outrora ensolarado. E o meu olhar recorda o que passou e fotografa com saudade as velhas fotografias. Eu refaço com pedaços de nós o que o destino desfez. As minhas mãos afagam tuas cartas buscando nelas o veludo do teu toque brando. Minhas mãos acolhem tuas cartas querendo sentir entre a palma delas a companhia das tuas mãos. Minhas mãos aconchegam-se nas tuas cartas querendo sentir o calor das tuas mãos e nelas adormecer em carinho. E minhas mãos acariciam tuas cartas solitárias querendo sentir tuas mãos passeando livres pelo corpo, corpo que se abriga no teu abraço após morrer em carícias. Tuas palavras abandonadas nas cartas, nas cartas esquecidas por ti. Cartas vazias de ti. Cheias da tua distância. Ausentes do teu abraço. E às vezes eu fecho os olhos e imagino aquelas palavras que bailam imóveis no papel valsando ao pé do ouvido, palavras adocicadas que para longe um vento de desencontro soprou. As tuas palavras dançantes que escorregaram distante de mim. E a minha voz cantarola embargada a nossa canção que toca ao fundo, um coro solitário e desafinado - eu e o relógio tiquetaqueando sua canção do tempo. E a minha voz rouca chama teu nome, lembranças de um tempo perdido presas num velho disco arranhado pelo teu esquecimento. O olfato navega no teu perfume que ainda resguardam as minhas roupas. Minhas roupas agasalhando restos de tuas lembranças. Eu te respiro! Um pedaço teu daquele tempo agora mora em mim, infla-se o peito de uma vida que passou, soprando recordações na memória, ventania de lembranças, redemoinho de reminiscências do nosso amor. Eu inspiro lembranças e expiro saudade.
Eu não estou mais em mim, eu estou nas lembranças que tu deixaste. Eu não moro mais em mim, eu moro onde qualquer recordação tua mora. Eu fiquei rodopiando na memória, dançando ciranda com tuas lembranças.

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