segunda-feira, 22 de março de 2010

Partida

"Quando olhaste bem nos olhos meus
E o teu olhar era de adeus
Juro que não acreditei, eu te estranhei
Me debrucei sobre teu corpo e duvidei
E me arrastei e te arranhei..."
Chico Buarque
Ele me olhou com aqueles olhos negros. Negro como o céu das noites de Lua Minguante. Mas eu não podia dizer que era os mesmos olhos negros de sempre. Os olhos de outrora, embora fossem negros como o manto que cobre o céu nas noites de Lua Minguante, no fundo deles uma Lua Cheia imponente me sorria, iluminando com fios de luz o negrume dos teus olhos anoitecidos, uma constelação de estrelas flamejantes piscava para mim, incendiando teu olhar noturno. Os olhos de agora ainda eram negros, porém o preto que vestia teus olhos estava acinzentado. Teu céu, esmorecido. Encoberto por uma espessa cortina de ausência. Nublado de tristeza. No fundo dos teus olhos não pude ver a Lua Cheia que todo o dia me sorria, estampando na minha face sua luz. Talvez hoje tenha ela acordado triste, encolhida num canto. Talvez tenha ela partido à procura de outros olhos, querendo ser em outro céu. A constelação de estrelas flamejantes que ardia em chamas, soltando fagulhas no meu riso, apagou, esvaeceu o fogaréu de estrelas. Talvez tenha sido ela varrida do céu, e a poeira alguém tenha escondido por baixo do tapete negro dos teus olhos. Talvez uma ventania tenha soprado ela para longe. Nos meus olhos cor de Outono uma Primavera colorida desenrolava-se sempre que via os teus em chamas. O teu olhar regava o meu com brilho fazendo florescer as mais belas flores no jardim do meu olhar. Eu te oferecia um buquê com meus olhos. Hoje, quando meus olhos viram os seus apagados, secaram. E as flores murcharam. O jardim amareleceu. O Outono embrulhou a primavera em melancolia. Teus olhos sussurram um adeus, e os meus tagarelaram um 'fica, fica [...]', minha mão pela última vez tocou o veludo da tua, um pedido em silêncio de 'fica, fica [...]', teus olhos me olharam nublados e sussurraram em voz alta o fim. Silenciamos a partida, palavreando olhares. Os meus olhos roubaram o nublado dos teus, e eu fiquei serenando atrás da porta tua ausência.
Tu partiste partindo em pedaços a minha primavera. E eu me pergunto 'será que teus olhos serão para outros Lua Cheia e constelação?' Eu queria mesmo que fossem Inverno. Inverno e escuridão.
E atrás da porta entreaberta ainda estou esperando tua volta, esperando teu olhar cultivando Primavera no meu fazendo florescer outra vez as mais belas flores. Vez em quando alguma florzinha floresce e logo seca por não ter teu olhar para regá-la, por enquanto tu semeias somente tristeza porque teu arado é ausência. E só chove.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Dance com as palavras!